O cenário de “lockdown” e as relações contratuais
O que gera também dúvidas acerca da possibilidade de
suspensão ou resilição dos contratos e diferimentos, postergação, abatimentos e
exoneração de pagamentos, bem como em relação às penalidades porventura
aplicáveis à parte que, em razão das peculiaridades da situação atual, deixe de
cumprir com suas obrigações. Entretanto, as respostas para essas questões não
são simples, tampouco matemáticas.
Infelizmente não existe um contrato completo, não há como
estabelecer todos os eventos que possivelmente poderiam interferir na relação
contratual e na execução das obrigações, o certo é que o atual cenário atinge
todas as partes integrantes da relação contratual e que tal cenário não poderia
ser por elas previsto e evitado, muito embora o Código Civil preveja que tais
situações possam, em razão da força maior, configurar motivos de exclusão ou
limitação de responsabilidade.
Todavia há que se pensar nos custos da transação que
eventual rompimento contratual poderá ocasionar para as partes. Nesse sentido,
deve-se sopesar os custos que eventual demanda no judiciário poderá ocasionar
para as partes, além das perdas que poderão ocorrer ao fim da relação
contratual na operação da empresa.
Por tratar-se de situação sem precedentes, para a qual os
ordenamentos jurídicos, em escala internacional, não se encontravam preparados,
é que a abordagem dos contratos demanda maior zelo e probidade das partes
envolvidas na relação comercial estabelecida, independentemente do prazo
necessário ao seu cumprimento.
A transparência deverá ser o norte para qualquer negociação
para afastar as práticas oportunistas, que muitas vezes podem surgir em razão
do atual cenário. A todo momento as partes deverão demonstrar que tudo foi
feito para mitigar os prejuízos até que se chegasse naquele momento de
negociação da relação contratual.
Além da transparência as partes devem, com maior afinco,
agir em observância aos princípios que regem as relações contratuais. a boa-fé,
parâmetros éticos, e a razoabilidade ou proporcionalidade, concessões mútuas, a
fim de se alcançar o meio termo, um senso comum.
Neste momento, na imprevisibilidade desse cenário, as partes
devem relativizar a questão da obrigatoriedade contratual em razão da adequação
à realidade fática, sendo o diálogo a melhor medida e a desproporcionalidade de
condições e a onerosidade excessiva devem ser analisadas em cada caso,
levando-se em consideração o que fora negociado.
Assim, pela teoria da imprevisão, como o próprio nome
sugere, exsurge para as partes a possibilidade de revisão de uma relação
jurídica ante a imprevisibilidade de uma situação – cuja consequência não
poderia ser antecipada – acarretando dificuldades no cumprimento das obrigações
pactuadas.
Verificadas as condições para a sua aplicação, que pode ser
invocada em relação a qualquer contrato, tornando viável a revisão do negócio,
viabilizando a renegociação das condições ou até mesmo a resolução contrato.
Aqui o ideal permanece o mesmo. Diante de uma situação
socioeconômica de grande impacto, é a revisão dos contratos a opção de mais
viável, em detrimento da extinção abrupta dos pactos. Adotar caminho diversos
como tendência é fragilizar o sistema econômico já abalado pela conjuntura
internacional.
Devendo ser cada relação contratual analisada de acordo com
as suas especificidades, visto que vivemos um momento em que todos estão tendo
prejuízos econômicos. Não existe um parâmetro fixo que poderá ser utilizado em
todos os casos, sendo realmente imprescindível as análises individuais.
Cautela é, em essência, a medida que se impõe.